segunda-feira, 13 de maio de 2019

IMMANUEL KANT (1724-1804) -Bacharelado

Kant nasceu, viveu e morreu em Königsberg (Prússia Oriental, atual Alemanha). Nasceu em uma família de poucos recursos financeiros. Recebeu uma educação, particularmente de sua mãe, fundada nos princípios do pietismo (corrente radical do protestantismo prussiano, originário de um movimento da Igreja Luterana alemã do século 18), lutou sempre com dificuldades tanto materiais quanto no que se refere à compreensão de sua proposta filosófica inovadora. Manteve-se, porém, firme em seu trabalho de grande rigor.

A época em que viveu Kant, o século 18, é chamada de Século das Luzes ou Iluminismo, ou ainda, Era da Razão, época da qual é um dos maiores representantes e que tinha por objetivo principal reformar a sociedade contra a intolerância da Igreja e do Estado.

Kant não nega a importância da religião, que tem, segundo ele, sua razão de ser, uma vez que existe todo um mundo que escapa às capacidades da razão. Porém, quer mostrar que o fundamento do conhecimento e da moral pode ser encontrado fora da religião, que até então dominara.

Segundo Kant, não podemos pretender conhecer realidades transcendentes, às quais não temos acesso. Devemos nos limitar a buscar conhecer a realidade que é objeto de experiência para nós.

 E, para tanto, faz-se necessário esclarecer qual seria a estrutura de nossas capacidades cognitivas, aquelas que não decorrem de experiências individuais e particulares, mas que dizem respeito a toda a humanidade como tal.

A conclusão a que chega é que as duas fontes do conhecimento (sensibilidade e entendimento) estão no sujeito e não no mundo.



Kant e a moral  ,   A teoria da "boa vontade"


Kant começa afirmando que a única coisa que merece a denominação de "bem" e de "bom" é o que chamou de "boa vontade". A "boa vontade" é, no dizer de Kant, o que é possível conceber no ou fora do mundo como bom, sem restrição.

Os diversos talentos do espírito, como inteligência, capacidade de julgar, coragem, decisão, perseverança e temperança, serão coisas boas ou ruins, dependendo das disposições próprias ou do "caráter" da vontade que os esteja usando. 

Poderíamos dizer o mesmo de dons como poder, riqueza, felicidade. Tais talentos ou dons trazem, segundo o filósofo, uma confiança em si que, frequentemente, na ausência de uma boa vontade, se convertem em presunção.

A boa vontade é boa em si mesma, não está condicionada a circunstâncias. O homem é regido por ele mesmo, é criador de valores morais. Essa consciência moral não é nem instintiva nem emotiva. É a própria razão.

Para Kant, a razão não tem apenas um papel instrumental, como para Hume. Toda moralidade funda sua autoridade apenas na razão. Só a razão determina se uma ação é boa ou má, independentemente
de nossos desejos.

Enquanto seres sensíveis, estamos submissos ao mecanismo natural, porém, como seres dotados de inteligência, somos capazes de pensar, conhecer a nós mesmos e emitir juízos morais, o que nos torna capazes de escapar ao determinismo da natureza.


Apenas em alguns casos, nossas ações podem ser produzidas por desejos e crenças. Isso acontece quando agimos por inclinação. Quando nossas ações são guiadas por considerações morais, a razão determina não apenas os meios, mas também os fins de nossas ações. 

A questão que se coloca é, então, a seguinte: que razão é essa que, por si mesma, ordena "o que deve" acontecer, independentemente de todo e qualquer fenômeno e, portanto, universalmente, a todo ser humano?


Propõe Kant a si, então, a tarefa de circunscrever os limites de possibilidade tanto da razão responsável pelo conhecimento (a especulativa) quanto da razão responsável pela moral.


A razão responsável pela moral é a razão prática



Ao tentar fundamentar a moral, Kant é levado à proposição de uma razão distinta da razão especulativa. É a razão que denominou de "prática". A consciência moral é a razão prática, segundo Kant. Como observa García Morente, em Fundamentos da filosofia (1980), Kant vai buscar em Aristóteles essa denominação, em cuja também a moral significa "razão prática".

 Razão prática quer dizer que, na consciência moral, atua algo que se assemelha à razão, mas não é a razão especulativa.

A consciência moral ou razão prática contém princípios racionais, em virtude dos quais nós, seres humanos, regemos nossa vida. É a razão aplicada à ação. Essa razão prática contém qualificativos como bom, mal, moral, imoral etc. 

Não tendo a razão prática (como tem a razão especulativa, que rege o conhecimento) por meta determinar a essência das coisas, seus qualificativos não se aplicam a coisas (as coisas não são boas ou más, morais ou imorais), mas só se aplicam ao homem. 

Os qualificativos morais se aplicam ao que o homem "quer fazer", ou seja, ao exercício da vontade. Assim, por exemplo, se alguém comete um erro involuntariamente, não podemos qualificá-lo nem de bom, nem de mau, nem de moral, nem de imoral, porque o ato não foi cometido no exercício de sua vontade.



As três grandes dimensões da consciência moral ou razão
prática

Trabalharemos a noção de razão prática ou consciência moral em Kant, a partir de três grandes dimensões a ela conferidas pelo filósofo. São elas: a dimensão da universalidade, a dimensão da autonomia e a dimensão da liberdade.

A dimensão da universalidade: a razão pura prática ou
consciência moral determina a vontade a partir de imperativos.


O critério fundamental racional para qualificar uma ação como ação moral, isto é, como ação universalmente válida, seria, segundo Kant, a existência dessa razão pura prática capaz de estabelecer uma universalidade no que se refere à moral, assim como a razão pura especulativa ou teórica estabelece uma universalidade no que diz respeito ao conhecimento.

 Temos, então, uma razão pura universal que se diferencia em razão pura especulativa e razão pura prática. A razão pura especulativa possuiria a capacidade de determinar a priori o conhecimento do sujeito cognoscitivo e a razão pura prática possuiria essa mesma capacidade de determinar a priori a vontade do sujeito agente.

A razão pura prática daria à vontade de cada um (vontade subjetiva particular) ordenamentos objetivos. Esses ordenamentos seriam "imperativos".

Em outras palavras, todo ato voluntário se apresenta à razão na forma de um imperativo, ou seja, todo ato, ao se realizar, aparece à consciência à maneira de um mandamento (faça isto; não aja assim). Os imperativos, diz Kant, podem ser hipotéticos ou categóricos.

Os imperativos hipotéticos sujeitam o mandamento em questão a uma condição (se queres obter x, faça y). Nos imperativos categóricos, ao contrário, o mandamento não está sob nenhuma condição, impera de maneira absoluta. 

O imperativo da moralidade é um imperativo categórico Toda ação moral indica que a referida ação é objetivamente necessária e boa em si mesma; portanto, o imperativo da "moralidade" é um imperativo categórico.


A lei moral, enquanto imperativo categórico, é universal.

O imperativo categórico é universal porque contém, ao mesmo tempo, a lei e o princípio da necessidade de se conformar com essa lei. Como não há condição que limite a lei, todo imperativo categórico é universal.

Consequentemente, a vontade divina e a vontade santa não são passíveis de imperativos.

Querer o bem ou a busca do bem não poderia, portanto, segundo Kant, fazer parte da moralidade, pois o princípio moral é, por sua própria natureza, independente de crenças, culturas e tradições. Fundamenta-se em algo universal, a lei. 

Assim, uma vontade perfeitamente boa, como seriam a vontade divina e a vontade santa, não são passíveis de imperativos, não se apresentam como obrigadas a leis.


A dimensão da autonomia: toda ação moral é uma ação
autônoma


As leis morais seriam, segundo Kant, destituídas de todo valor moral se seu princípio determinante tivesse outra origem que não fosse a lei que traz nela mesma essa certeza apodítica (certeza evidente). Assim, ao contrário da ação heterônoma, que é instintiva e não decorre da vontade do agente, como seria o caso da moral aristocrática, que depende de ideais transcendentes e da moral utilitarista (que depende de ideais que emanam de coisas), a ação moral, segundo Kant, é uma ação autônoma.


Esse princípio de autonomia da ação moral consiste no fato de as regras ou máximas serem compreendidas como leis universais, que não advêm da experiência, que são absolutamente independentes e necessárias, que comandam apoditicamente (de maneira necessariamente verdadeira), opondo-se ao empírico (o que vem da experiência), que é contingente e generalizável.

O indivíduo deve estar livre para agir, ou seja, não obedecer a outra lei senão àquela que ele mesmo simultaneamente se dá, enquanto possuidor de uma vontade, e não em virtude de qualquer outro motivo prático ou de qualquer vantagem futura.

 Por essa razão, o princípio que rege a ação de uma vontade livre legisladora universal, que é a ação moral, é, como vimos, um imperativo categórico que, por ser universal, não se funda em nenhuma condição, em nenhuma hipótese.

Trata-se de uma Ética "deontológica"

A Ética de Kant é, portanto, "deontológica", ou seja, defende que o valor moral de uma ação reside na própria ação e não em suas consequências. É o que veremos, mais claramente, a seguir a partir da noção kantiana de "Dever".

 Deontologia é um termo criado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832) e se refere à ética como tendo por objeto de estudo os fundamentos do dever e das normas enquanto decorrentes de uma ação considerada em si mesma.

 Compreende, por exemplo, o conjunto de princípios e regras de conduta ou deveres decorrentes de uma determinada ação profissional. O primeiro Código de Deontologia foi da área da medicina e foi feito nos Estados Unidos da América do Norte. A palavra é formada por "deon" (dever, obrigação em grego) e logos (ciência).


O Dever

Este agir sem qualquer motivação, livre de interesses, subordinando a vontade a uma legislação universal, eis o "dever".

Na moralidade, o dever é essencialmente impulso para o dever, o dever pelo dever, inexiste qualquer outro motivo. O valor moral de um ato funda-se na pureza de intenção, na medida em que ela independe de qualquer outro motivo que não seja o cumprimento do dever pelo dever.

E isto porque uma ação só é moral quando realizada "por dever" e não "conforme ao dever".

Fazer a caridade não por inclinação, mas "por dever"

Portanto, a essência do cumprimento "por dever" estaria na capacidade da vontade de contrariar as tendências naturais, não se deixando causar por fatores externos, mas atender a imperativos como: agir como se o princípio de nossa ação pudesse ser erigido em lei universal da natureza.

Essa autonomia da razão prática ou consciência moral é o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda natureza racional, tornando-as um fim e não um meio.

O imperativo é: aja de tal maneira que a humanidade seja tratada tão bem na nossa pessoa como na pessoa de qualquer outro e sempre como um fim e nunca como meio.


A terceira dimensão da ação moral: a da "liberdade"

A possibilidade da moral, segundo Kant, não depende nem da ciência, nem da religião, nem da metafísica; ela está fundada na ideia de uma vontade livre. 

A vontade, segundo Kant, é um "poder agir" ou um "poder causar", ou, ainda, um "poder querer" livres, porque possui justamente esta propriedade de ser a sua própria lei, uma vez que não é determinada por causas estranhas, como influências e interesses sensíveis; do contrário, não se trataria de um ato de vontade.

A liberdade, portanto, embora não seja uma propriedade da vontade segundo leis naturais (na natureza, nos seres irracionais, impera e domina a necessidade), é propriedade da vontade nos seres racionais.

Mas a liberdade, enquanto propriedade da vontade, não seria desprovida de lei

A liberdade não seria desprovida de lei, pois é a propriedade de um "poder causador" (vontade), ou seja, de uma relação de causa e efeito e, como tal, é baseada em leis imutáveis.

Isso porque uma vontade só é livre quando regida por leis imutáveis, independentes de circunstâncias particulares. Trata-se, portanto, de uma "liberdade transcendental", segundo a expressão de Kant, em que o "poder querer" ou a vontade antecede a experiência e independe dela.


A moral kantiana é uma moral não eudaimônica, ou seja, não tem por meta a "felicidade"


Eudaimonia: palara de origem grega (eu = bem + daimon = espírito), significando "felicidade" não no sentido de uma emoção ou de uma visão utilitarista, mas no sentido em que foi empregada no pensamento grego antigo: "bem-viver", "prosperidade".

Embora Kant considere que o fim do homem seja a procura da felicidade (como Platão e Aristóteles), distingue felicidade de moralidade. A razão prática não nos pode ensinar e nem nir o que é a felicidade, apesar desta ser a finalidade dos seres racionais.

Observa que, embora "estar bem" não se oponha a "fazer bem", o fato de "se estar bem", não significa "fazer bem". A moral nos ensina ou nos leva a ser merecedores da felicidade, porém não nos torna felizes.

O caminho para a felicidade, segundo Kant, é o dever. O cumprimento do dever, embora consista em obediência incondicional, não significa renunciar à felicidade, porém também não significa subordinação à procura da felicidade. 

Na obra Crítica da Razão Prática, Kant observa que a felicidade não seria o objetivo e fundamento da moralidade, pois é um conceito empírico, consistindo em um sentimento do agente.

Para Kant, a felicidade provém da satisfação dos nossos desejos, e, por essa razão, ela não depende de nós, uma vez que esse satisfazer nossos desejos se subordina a circunstâncias externas à nossa vontade. O homem é um ser que pertence à natureza, sua felicidade escapa à sua vontade. E, se escapa à vontade do agente, como poderia ser um objetivo da moralidade?

Relacionada à alegria e aos prazeres, a felicidade não distingue entre prazeres superiores e inferiores. Em outras palavras, não é possível definir racionalmente a felicidade, independentemente da experiência. 

A felicidade de cada um depende de sua sensibilidade aos diferentes prazeres da vida. Assim, pode-se ser feliz com a riqueza, beleza, inteligência etc. 

Não há conexão necessária no homem entre a moralidade e a felicidade, uma vez que a felicidade é dependente de bens contingentes. O cumprimento das exigências da lei moral não nos concederá, por si só, nenhuma felicidade, a não ser em uma situação absolutamente contingente.

A razão é contrária à felicidade 

Segundo Kant, podemos mesmo dizer que a razão é contrária à felicidade. Enfim... o supremo destino da razão prática é a fundação de uma vontade e não da felicidade.



Kant e o Iluminismo

Em seu texto sobre o Iluminismo, respondendo, em 1784, à pergunta de uma revista alemã de Berlim, Kant expõe seu ideal de apelo ao exercício autônomo da razão aqui descrito. Reflete sobre o momento social e político de sua época, visando à elevação do homem à sua condição singular e única de ser livre.

 Cada um é responsável por essa liberação da "menoridade". Somente cada um, com liberdade, pode dela se livrar. Essa liberação só é possível com o esclarecimento do próprio pensar, esclarecimento que deve ser contínuo, de maneira a poder ver o mundo com outros olhos, livres de conceitos e normas estabelecidos. 

A liberdade de fazer uso público do pensar esclarecido permite, por sua vez, a discussão e o intercâmbio de ideias, o qual fundamentará a realização da ação transformadora. Ético é, pois, para Kant, conquistar deliberadamente a própria liberdade incondicionada, servindo-se de sua capacidade racional. Este seria o caráter singular e único de toda ação humana.


Vimos que Kant, ao se ocupar do fundamento da moral, é levado a postular outra razão distinta da razão teórica ou especulativa (própria do conhecimento científico), razão que chamou de "razão prática". 

A moralidade não decorreria das regras de um código de conduta, não se limitaria em agir de acordo com normas. Para Kant, regras morais se identificam facilmente com causas exteriores à razão. São do domínio das leis enquanto convenções sociais e do Direito positivo. Variam segundo as culturas e épocas. 

Não são os hábitos de conduta e de comportamento que nos levam a optar pelo cumprimento do dever ou decisões conduzidas pela boa vontade. Em outras palavras, não são a transmissão e o respeito a um código de conduta que nos levarão a um comportamento moral. 

Propõe, assim, uma moralidade autônoma, fundada na teoria dos imperativos categóricos essencialmente universais. Daí o nome de "universalismo ético", dado à posição kantiana. Uma moralidade dependente inteiramente de uma razão prática, ou seja, independente de condicionamentos externos, sejam eles históricos, étnicos, sociais etc. 

A razão prática é a razão que guia a ação. É uma forma pura que pode ser aplicada a qualquer situação. Tem a validade universal das leis que regem a natureza. Assumida como algo absoluto, não pode ser exercida sob condições. Sua inteligibilidade pode ser alcançada, porém não pela razão teórica. 

A razão prática não depende de nada, a não ser de si mesma, é absolutamente livre e nisso é o contrário da natureza: esta atua segundo leis; a razão prática, que é a vontade racional humana, "atua segundo a ideia de lei", ultrapassando tudo o que seja sensível para ser ela mesma. 

Causa incondicionada de si mesma, é a manifestação da "razão" como tal, em toda a sua força e superioridade. Embora considere as leis morais semelhantes às leis científicas, porque, como estas, são igualmente universais e impessoais (não se referem a pessoas, lugares ou épocas), Kant assinala uma diferença essencial entre esses dois tipos de leis: enquanto o conceito científico se funda em uma universalidade "mediata", ou seja, é construído "mediante" uma generalização de conteúdos advindos da experiência empírica, a máxima em que se baseia a lei moral não decorre de nenhum processo de generalização, não contém conteúdo empírico, mas é de natureza imediata.

 Reencontramos aqui o que temos buscado mostrar, por meio do pensamento de diferentes filósofos, a presença de uma dimensão ética propriamente dita, não passível de ser trabalhada à luz da razão especulativa generalizante. 

Um saber daquela "morada interior" singular e única, e nem por isso menos universal, provida de uma inteligibilidade pura, isenta de conteúdos sensíveis, saber que nos põe em contato com uma dimensão humana não cognoscitiva, mas de natureza "valorizadora".

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